DO COMER E BEBER
COM EXCESSO.[1]
Peca-se ora
mortal ora venialmente em comer e beber com excesso; ninguém pode duvidar desta
verdade. Santo André Avelino diz: “Toda a pessoa que quer adiantar no caminho da
virtude, deve mortificar-se no comer e beber.” S. Gregório diz “Não se pode empreender
a luta contra as tentações do espirito, sem primeiro domar o apetite desordenado
de comer e beber.” Santo Afonso diz: “Aquele que come como bruto, isto é á medida
do seu apetite, é mais animal do que racional.” Santa Catarina de Sena diz: “Toda
a pessoa que se não mortificar no comer, é-lhe impossível conservar a sua inocência.”
“É necessário, diz Santo Alfonso, comer e beber para conservar a vida, mas
devemos tomar os alimentos como remédios para as enfermidades, isto é, só os
precisos, e muitas vezes até com repugnância.” Quem faz a vontade à gula, também
o faz a outros vícios, diz o mesmo Santo. E S. Jerônimo Diz: “A satisfação do
ventre é o foco da luxuria”.
Todos os Santos
para se conservarem na vida espiritual e se adiantarem na virtude, entregaram-se
a jejuns os mais austeros, e a abstinências as mais rigorosas, isto é, mortificavam-se
constantemente no comer e beber. S. Filipe
Neri diz: “Aquele que se não mortificar na boca, nunca chegará a ser perfeito.”
Portanto não devemos comer e beber com excesso; devemos mortificar-nos sempre
nestas cousas: mas de que modo, ou em que? Na qualidade, na quantidade, e no modo. Na qualidade, não procurando cousas
delicadas ou deliciosas; na quantidade, comendo só o necessário para viver e trabalhar;
e no modo, comendo com regra, ou em horas competentes, e sem grande avidez.
Falando do vinho,
direi que esta bebida é cousa luxuriosa, assim o diz o Espirito Santo. E S. Gregório
diz: “As pessoas que têm o vicio do vinho, são desgraçadas.” E S. Jerônimo, escrevendo
à virgem Eustáquia, diz: “ Se te queres conservar como esposa de Jesus Cristo,
foge do vinho como de um veneno.” Finalmente,
quantos males e quantos pecados mortais provém do vicio da gula, tanto na comida,
como na bebida? Pecados de impureza, pecados de intemperança, graves enfermidades,
a destruição de muitas casas, e o empobrecimento de muitas famílias; quanto disto
se tem observado por via deste vicio? Quem come e bebe desordenadamente assemelha-se
a um animal; depois de assim comer e beber, nem está para rezar, nem para meditar,
nem para trabalhar, só está disposto para dormir, ou fazer cousas indecentes.
Estando Moisés no
monte Sinai orando e jejuando, que fez o povo no fundo do monte? Comeu e bebeu com
excesso. E que fez mais? Bailou e brincou indecentemente. E que fez mais?
Chegou a adorar um bezerro em lugar de Deus. O maldito costume de comer e beber
com excesso, que tantos males e pecados causam! S. Paulo diz que os glutões não
tem outro deus mais do que a sua barriga: “Quorum Deus venter est.” Porque a ninguém
fazem melhor a vontade do que à mesma barriga; se podem, todos os dias a enchem
do que querem; e se não podem, quando chega à ocasião comem e bebem sem medida e
sem temor de Deus; e têm pena pelo que fica...
Alguns cristãos são
como esse regalão de que falia S. Lucas no Evangelho; dizia ele para si mesmo: “Tu
tens muito com que passar largos anos: come, bebe e descansa.” Mas, logo ouviu uma
voz espantosa que o repreendeu, dizendo: “Ó louco!” E com razão; porque diz S. Basílio:
“Por ventura tens alma de porco, que não cuida senão em comer, beber e descansar?”
Oh! Quantas almas de porco! Tantas pessoas que não querem trabalhar, e que só cuidam
em comer, beber, dormir, descansar e regalar! Criaturas loucas! Pois não tendes
também uma alma racional e imortal para salvar? Pessoas há que só cuidam da barriga
e do corpo; tudo são ensopados, guisados, afogados, assados, adoçados, bebidas
compostas, finalmente, tudo são excessos em comer e beber e regalar o corpo. E a
alma? A alma sem penitencia, sem oração, sem emenda de pecados, sem sacramentos,
finalmente, sem virtudes. Isto são almas de porco, são como a do regalão do Evangelho.
Penitência, meus
irmãos, penitência, mortificações, jejuns, abstinências; de tudo isto o que for
possível, mas nada sem ordem do Confessor. Quem tiver boa saúde, bem pode jejuar
um ou dois dias cada semana por devoção; bem pode no jantar deixar o bocado que
melhor lhe sabe, havendo outro de igual sustento; bem pode abster-se de doce ou
furta também em alguns dias da semana; nunca comer fora da hora sem necessidade;
e se o apetite for grande, ficar sempre com alguma vontade de comer; nunca queixar-se
por via da comida, nunca; se não estiver à sua vontade, deve sofrer por Deus,
lembrando-se que em tudo se deve mortificar para ter maior merecimento; bem pode
deixar de beber vinho, mas sendo necessário bebe-o, só aos comeres; finalmente,
quem quiser ter uma vida espiritual, nunca se deve levantar da mesa sem alguma mortificação,
para assim dar sustento à alma, ao mesmo tempo em que se dá sustento ao corpo.
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