Eu ainda
pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Conceição do Almeida
quando, fomos sondados sobre a eventual possibilidade de pertencermos a uma
futura Diocese do Recôncavo, ainda guia a Sede metropolitana, o cardeal Moreira
Neves. Hoje aquela que era uma especulação se tornou realidade. A Diocese de
Amargosa findou por não ceder nada à nova que tem por seede a cidade de Cruz
das Almas. Nada mesmo? Há coisas que para serem vistas precisam ser
“especuladas”.
Especular tem
sua raiz na palavra latina speculum:
espelho. Há certas coisas que, para serem vistas bem, precisa-se de um espelho.
É o caso dos dentistas que usam um espelho côncavo para enxergarem cáries
escondidas que não se enxerga a olho nu, a forma côncava do espelho possibilita
a visualização do dente de que se aproxima, aumentando o campo visual. Já que
Diocese de Cruz das Almas é do Recôncavo, quero fazer de minha alma um espelho
côncavo para aproximar-me do fato de sua criação e ampliar minha visão das
coisas.
Quero
afastar-me da data de 22 de novembro de 2017, quando ela é criada e
aproximar-me do dia 9 de janeiro de 1964, quando na cidade de Jequié nasce o
menino Antônio Tourinho Neto, primeiro bispo de Cruz das Almas. A minha
aproximação me faz ver que nasceu em uma cidade pertencente à Diocese de
Amargosa, somente em 1978, Dom Tourinho era um adolescente foi criada e
instalada a Diocese de Jequié. Na Igreja Particular de Amargosa este bispo foi
iniciado na fé pelo Sacramento do Batismo, sendo integrado no Povo de Deus (Λαος
του Θεού), λαος (laos) é a palavra grega
que significa povo, dela deriva o termo leigo, de onde o vocábulo Laicado, para
falar de todos os que pertencem ao Povo de Deus.
No próximo
Domingo de 26 de Novembro, Solenidade de Cristo Rei se inicia o Ano Nacional do
Laicado. Especulando, então, eu vejo que o novo bispo de Cruz das Almas recebeu
a vida divina que brota do seio da Trindade no meio da Diocese de Amargosa, fez
parte de nós, então podemos dizer que demos algo à Diocese do Recôncavo, não do
nosso território, mas da nossa história, da nossa tradição de fé. Segundo o
Papa Francisco na Evangelii Gaudium
um princípio importante para “progredir na construção de um povo: o tempo é
superior ao espaço” (EG 222). Se nada do território da Diocese de da Amargosa
passou à novel Diocese de Cruz das Almas, ela se doa, na linha da fé, à sua
mais nova vizinha geográfica nos 14 anos de jovem leigo do seu primeiro Bispo.
Seja-me permitido dizer: a Sinergia da Liturgia supera a territorialidade da
geografia. O primeiro bispo de Cruz das Almas nunca pertenceu ao Presbitério de
Amargosa, mas foi contado entre os membros do Povo de Deus da nossa Diocese
desde 1964 até 1978. Quanta experiência se faz em 14 anos!
Na nossa
Diocese ele recebe o nome de cristão do qual se gloriará diante do Rei do
Universo. Ser bispo não é um cargo, uma carga (sarcina episcopatus),
como gostava de dizer o santo bispo de Hipona que por ocasião do aniversário de
sua ordenação episcopal assim se dirige ao povo em sua pregação: “Desde
que este encargo, do qual tenho de dar apertadas contas, me foi posto sobre os
ombros, sempre me perturba a preocupação com esta dignidade. Que se há de temer
neste cargo, a não ser que mais nos agrade aquilo que é arriscado para nossa
honra do que aquilo que é frutuoso para vossa salvação? Aterroriza-me o que sou
para vós; consola-me o que sou convosco. Pois para vós sou bispo; convosco, sou
cristão. Aquele é nome do ofício recebido; este, da graça; aquele, do perigo;
este, da salvação” (Sermo 340,1)[1].
Continuando a
especular, eu penso quantas vezes, o novo bispo de Cruz das Almas participou em
celebrações presididas pelos bispos de Amargosa, Dom Florêncio e Dom Alair,
durante sua infância e Adolescência, sem nunca imaginar que estava diante do
espelho do seu futuro. Igualmente aqueles dois santos e venerandos bispos não
podiam especular que estavam diante de um futuro sucessor dos apóstolos em
potencia. Vem-me à mente o mesmo santo Agostinho que em um sermão cogitava: Eu bispo falo a leigos, mas como faço para
saber a quantos futuros bispos estou falando ?[2].
Eram pastores pelo Pão da Palavra, formando o coração de um futuro pastor.
Quanta
responsabilidade se deve ter diante dos Leigos, ou seja, diante do Povo Santo
de Deus que marcha rumo aos Céus e tem por vocação ser sal da terra e luz do
mundo na Sociedade e no interior da própria Igreja. Alegre-se o Povo de Deus da
Diocese de Amargosa por ter gerado na comunhão da fé este filho para a Igreja.
Alegria que se experimenta também na vida de Dom Frei Rubival Cabral Brito,
bispo de Grajaú no Maranhão que nasceu na cidade de Jaguaquara no dia 21 de
julho de 1969, quando esta ainda pertencia à Diocese de Amargosa. Dom Rubival
também viveu parte de sua vida de leigo na comunhão de nossa Igreja diocesana
de Amargosa.
A nova
Diocese do Recôncavo deixou de ser uma especulação para se tornar realidade que
ela seja fiel a sua missão de ser “uma
porção do povo de Deus confiada ao pastoreio do bispo com a cooperação do
presbitério, de modo tal que, unindo-se ela a seu pastor e, pelo Evangelho e
pela eucaristia, reunida por ele no Espírito Santo, constitua uma Igreja
particular, na qual está verdadeiramente presente e operante a Igreja de
Cristo, una, santa, católica e apostólica”[3].
Se para
especular precisei em algum momento de um espelho côncavo para de perto ver algumas coisas bem, posso dizer que,
também, precisei do espelho convexo
para vê-las melhor: Como acontece com o espelho retrovisor. Com o espelho
convexo se olhar para trás para ver a estrada que fica para trás. Ao percorrer
uma estrada, é necessário saber aonde se quer e se deve chegar, mas não menos
importante é estar atento a todo o percurso, ao fluxo do trânsito. Que não
falte ao pastor da nova Diocese situada no Recôncavo da Bahia, cuja sede está
às margens da BR 101, uma visão côncava e convexa da realidade nova que deve
ajudar a forjar.
[1] Cf. Aug. Sermo 340, 1: Vobis enim sum episcopus,
vobiscum sum Christianus. Illud est nomen suscepti officii, hoc gratiae; illud periculi est,
hoc salutis. Denique tamquam in mari magno illius actionis tempestate iactamur;
sed recolentes cuius sanguine redempti fuerimus, velut portum securitatis
tranquillitate huius cogitationis intramus; et in hoc proprio laborantes
officio, in communi requiescimus beneficio. Si ergo plus me delectat, quod
vobiscum emptus sum, quam quod vobis praepositus sum, tunc, ut Dominus
praecepit, ero abundantius vester servus, ne ingratus sim pretio, quo vester
merui esse conservus.
[2] Id. Sermo 101, 4: Episcopus laicis loquor: sed inde scio quam multis episcopis futuris
loquor.
[3]Código de Direito Canônico, 369
0 comentários :